CRISTO CRUCIFICADO TEMÁTICA A crítica não se põe de acordo em relação à realização desta pintura religiosa. De qualquer forma, sua feitura corresponde a um espaço cronológico compreendido entre os anos 1628 e 1635. A tela foi encomendada pelo convento de São Plácido, em Madri. Daí que também tenha ficado conhecida como Cristo de São Plácido. Ela permaneceria naquele recinto religioso até o final do século XVIII. A partir desse momento, passou por diferentes mãos privadas. A obra foi oferecida de presente ao rei Fernando VII. Este a doaria ao Museu do Prado, onde se conserva na atualidade. Velásquez concebe uma imagem de Cristo cuja iconografia segue fielmente os rigorosos ditados acadêmicos estabelecidos por seu sogro e mestre, Francisco Pacheco, que não se destacou no panorama artístico pela sua obra pictórica, mas sim por suas reflexões sobre a arte. Estas seriam rigorosamente seguidas pela escola sevilhana do século XVII. Este Crucificado é bom exemplo disso. ANÁLISE TÉCNICA E ESTILÍSTICA A tela, de grandes dimensões, está protagonizada pela única figura do crucificado. A composição é simples e equilibrada. Jesus mostra-se ante o espectador num primeiro plano. Sua figura tem como cenário um fundo neutro e escuro. Esta circunstância magnifica o personagem, cuja silhueta se destaca sobre a negrura do cenário. Não existe referente espacial algum que possa distrair a contemplação do motivo. O artista põe especial ênfase no modelado do corpo. O assunto escolhido lhe serve de pretexto para a realização de um nu no mais puro estilo acadêmico. O pintor omite qualquer signo de sofrimento físico. O artista recorre à técnica do claro-escuro para a definição de uma anatomia masculina idealizada. A luz é utilizada de forma artificial e simbólica, incidindo exclusivamente sobre o personagem. A gama cromática é reduzida. A escuridão do fundo contrasta com a luminosidade que emana do corpo morto. A pincelada é precisa. Não há que esquecer a importância que tinha o desenho no seio da pintura acadêmica. INTERPRETAÇÃO Este quadro constitui um exemplo que ilustra perfeitamente as pretensões estéticas de Pacheco. Em 1614, este pintaria uma tela sobre o mesmo tema. Nele representou um Cristo sem indícios de sofrimento. Ele utiliza quatro pregos em lugar de três, alterando assim a visão tradicional. Esta se remontava ao século XIII e mostrava um Jesus torturado. Os mestres do Barroco espanhol adotarão a visão criada por Pacheco, que substituirá a iconografia medieval. Velásquez segue o caminho de seus colegas contemporâneos e configura uma representação fiel à estética oficial, imposta por seu sogro. O fato de que tenha sido uma incumbência para um convento pôde ter influído decisivamente no aspecto convencional da imagem. O artista foge de qualquer licença ou experimentação técnica. O promotor deste trabalho exige uma pintura religiosa. A contemplação da imagem deve inclinar o espectador à piedade. O belo ficaria relegado a um segundo plano, apesar da evidente idealização do motivo. A vigência deste tipo de composição foi tal, que Goya retoma-a séculos depois, a fim de ser admitido na Academia de São Fernando.